terça-feira, 16 de outubro de 2007

Neves e Sá, 2005

Referência bibliográfica:

NEVES, R. e SÁ, C. M. (2005). Compreender e operacionalizar a transversalidade da Língua Materna na prática docente. Palavras, 27, pp. 21-30.

Texto publicado:

1. Introdução
A reorganização curricular do Ensino Básico, de acordo com o previsto no Decreto-Lei nº 6 de 18 de Janeiro de 2001 , vem favorecer a abordagem de temas transversais às diversas áreas disciplinares, nomeadamente no que se refere ao “uso da LP de forma adequada às situações de comunicação criadas nas diversas áreas do saber, numa construção pessoal de conhecimento.” (Ministério da Educação, 2001: 19).
Por conseguinte, é legítimo que se operacionalize a transversalidade da LM através das práticas lectivas de todos os docentes. Estes deverão contribuir para um melhor uso da LP (como LM) por parte dos alunos, para comunicar de forma adequada e para estruturar o próprio pensamento.
No entanto, com base num estudo empírico realizado com supervisores de LP, constatámos que, embora os docentes pareçam ter consciência da transversalidade da LM e reconheçam a sua importância, ainda subsistem muitas dúvidas na identificação de estratégias e na planificação de actividades que promovam o desenvolvimento de competências transversais nos seus alunos .
Estas dúvidas aumentam consideravelmente quando se trata de referir as estratégias utilizadas na formação inicial de professores de LP que contribuam para os consciencializar da importância desta problemática e os dotar das competências necessárias à operacionalização da transversalidade da LM nas suas aulas.
Em suma, este estudo pretende, essencialmente, determinar a forma como esta problemática é vista pelo tipo de supervisores acima referido, a fim de sugerir algumas formas de suprimir as lacunas detectadas.
Por razões de ordem prática, que se prendem com o tempo disponível para fazer o estudo, só foram contemplados os domínios da leitura e da escrita.

2. A transversalidade da Língua Materna
A presença da LM no Ensino Básico tem vindo a ser encarada cada vez com mais seriedade, nestes últimos anos, dado que esta desempenha um papel extremamente importante na formação dos alunos a todos os níveis, se se tiver em conta as inúmeras possibilidades abertas pela sua transversalidade.
No entanto, convém distinguirmos duas realidades diferentes, mas, de certa forma, complementares, que se podem associar à noção de transversalidade da LM: (i) o facto de todas as disciplinas poderem contribuir para um melhor domínio da LM, pois, em todas elas, esta é um instrumento de aprendizagem; (ii) o facto de o processo de ensino/aprendizagem da LM contribuir para o desenvolvimento de competências que os alunos poderão pôr ao serviço da aprendizagem doutras disciplinas do currículo e que serão essenciais para a sua formação geral.
2.1. No contexto escolar
A disciplina de LM é, por excelência, aquela que contribui mais activamente para o desenvolvimento de competências que serão fundamentais para o sucesso escolar e para a formação do indivíduo.
Na verdade, o sucesso escolar deve muito à proficiência em LM, pois, como afirmam Tolchinsky e Simó (2001), em todas as áreas curriculares disciplinares e não disciplinares, espera-se que os alunos sejam capazes de ler e seguir instruções, tomar notas a partir das explicações do docente, realizar fichas de trabalho, elaborar um resumo, responder a um questionário, organizar o caderno diário ou realizar um trabalho de pesquisa.
Em suma, a aula de LP, “ao convocar todos os conhecimentos imprescindíveis a uma análise da língua e ao seu exercício, transmissão e fruição, apresenta-se, não como um somatório desses conhecimentos, mas sim apoiada numa transversalidade disciplinar que exige o recurso a inquietações pedagógicas e didácticas derivadas das práticas encontradas nessa transversalidade.” (Sequeira, 1998: 157).
2.1.1. O professor de Língua Portuguesa
O ensino e a aprendizagem da LP obedecem a uma especificidade muito própria, na qual os seus agentes, agências e circunstâncias assumem lugares de relevo.
Sumariamente, um professor de LP faz incidir o seu campo de actuação no desenvolvimento da dimensão metacognitiva do aluno. Relativamente aos outros professores, o professor de LP produz e reproduz os seus próprios meios de produção, a sua competência enquanto falante, a sua capacidade de análise e interpretação e os seus conhecimentos sobre o funcionamento da língua.
Não pretendemos insistir na ideia de que todos os professores são professores de Português. Ao invés, concordamos com Frias e Sousa (1999: 51-52), quando estas autoras defendem que “nem todos os professores são professores de Português, o que se supõe, e deseja, é que todos sejam utentes competentes da LM, e contribuam para que os seus alunos adquiram progressivamente essa competência ajudando-os de forma sistemática a corrigir as suas falhas e a enriquecer o seu vocabulário, uma vez que as aprendizagens são veiculadas pela língua em que pensam e falam.”
A este propósito convém realçar que “o professor de Português tem responsabilidades, actividades e saberes específicos que não são passíveis de serem atribuídos a qualquer outro professor.” (Frias e Sousa, 1999: 52).
2.2. No contexto social
A par da reorganização curricular em curso, surge a necessidade premente de adequar o sistema de ensino às mutações e consequentes exigências crescentes da sociedade. A escola, enquanto instituição formadora das futuras gerações, tem que se renovar e não só facultar a aprendizagem de conhecimentos, mas sobretudo o desenvolvimento de competências imprescindíveis à inserção do indivíduo no meio (crescendo em importância, se nos restringirmos à escolaridade obrigatória).
A transversalidade da LM não se rege apenas por princípios que favorecem a aquisição de novos saberes condutores ao sucesso escolar, mas, acima de tudo, assume a sua real importância na construção da identidade própria do indivíduo, no seu processo de socialização e, por fim, na sua inserção no mundo do trabalho.
Quando todos enveredarmos por este caminho, de uma forma consciente, talvez comecemos então a construir a união curricular, contrariando a ideia de que o professor “vive muito dentro das quatro paredes da escola, apenas agarrado à sua disciplina.” (Santos, 2000: 12).

3. A supervisão na formação inicial
No panorama actual do sistema de ensino português, é unanimemente reconhecida a importância da prática pedagógica, uma vez que esta é o espaço propício à consolidação dos conhecimentos previamente adquiridos (resultado da formação académica), mobilizando-os de acordo com as situações concretas, ao questionamento sobre o acto educativo, desenvolvendo um quadro interpretativo próprio sobre o ensino, e à reflexão na e sobre a acção (resultantes de uma prática reflexiva sistemática).
Por conseguinte, a formação inicial de professores deve ser encarada como uma multiplicidade de meios que, aliados à autonomia e reflexão, desenvolvem as competências necessárias para o professor assumir os novos papéis que a escola actual lhe impõe.
Nesta linha de pensamento, a supervisão é perspectivada como “uma actividade cuja finalidade visa o desenvolvimento profissional dos professores, na sua dimensão de conhecimento e de acção, desde uma situação pré-profissional até uma situação de acompanhamento no exercício da profissão e na inserção na vida da escola.” (Alarcão, 2003: 65).
É então inegável a importância da missão do supervisor que, na opinião de Alarcão (1995: 7), deverá ser “inteligente, co-construtivo, inovador, flexível, psicológica e profissionalmente desenvolvido”, pois a este cabe a árdua tarefa de potencializar a prática pedagógica “como o cenário propício ao desenvolvimento de novas capacidades, conhecimentos e atitudes, que ultrapassam a mera assimilação do conhecimento académico e que culminam na produção de um novo tipo de conhecimento de carácter idiossincrático, mobilizado ao longo do confronto com a situação real.” (Soares, 2000: 11).

4. Factores condicionantes na operacionalização da transversalidade da Língua Materna
Contrariamente ao desejável, há imensos factores que condicionam a operacionalização da transversalidade da LM.
O principal impedimento dos professores seguirem este rumo nas suas aulas talvez seja o desconhecimento das múltiplas vantagens e formas de se operacionalizar as competências transversais.
Se, por um lado, é verdade que os documentos recentemente enviados a todas as escolas pelo Departamento de Educação Básica (em consonância com o ME ) fornecem uma sólida fundamentação teórica, também não é menos verdade que muito pouco foi feito para persuadir os docentes a procederem à leitura crítica desses documentos e a discutirem formas adequadas de operacionalizar a transversalidade da LM.
É errado assumir que as práticas lectivas se alteram com o aparecimento de um novo decreto ou despacho. É necessário investir na formação antecipada do corpo docente das escolas, no sentido de mostrar as virtualidades da transversalidade da LM.
Por outro lado, cabe aos órgãos de gestão da escola promover espaços de diálogo e debate em torno desta problemática. A reflexão participada traz sempre muitos benefícios a qualquer comunidade escolar.
Na verdade, discute-se muito o (in)sucesso escolar dos alunos, a ausência de pré-requisitos essenciais à aprendizagem de outras disciplinas, constata-se que a escolaridade obrigatória está empobrecida de conhecimento, mas poucas são as actividades/estratégias que se planificam efectivamente em reuniões de Conselho de Turma e que possam contribuir para a erradicação destas lacunas.
Os manuais escolares, considerados como um recurso importantíssimo na aula, também deveriam propor mais actividades que levassem alunos e professores à consciencialização da importância da LM e à operacionalização da sua transversalidade.
A mobilidade frequente dos professores, a distância casa-escola, a sobrecarga horária com que são muitas vezes confrontados, o número excessivo de alunos por turma, a quantidade de conteúdos programáticos a leccionar, a desmotivação, a formação inadequada para leccionar a disciplina de LP ou a indisponibilidade mental são obstáculos a um ensino transversal.
O desencontro do corpo docente, a escassez do trabalho colaborativo por oposição ao exagerado trabalho individual ou a falta de uniformização de critérios dentro da mesma área disciplinar são outros tantos obstáculos com que a transversalidade se confronta frequentemente.
A ausência de controlo das práticas por organismos competentes também tem um forte peso na insuficiência de práticas transversais.
Relativamente aos docentes de outras disciplinas, muitos consideram não ser da sua responsabilidade a formação linguística dos alunos, quando, na verdade, a competência linguístico-comunicativa é função de todos os agentes educativos.
No que diz respeito à supervisão da prática pedagógica, elemento essencial da formação inicial, por vezes o orientador não incentiva os professores em formação a planificarem actividades em que possam desenvolver competências importantes para a aprendizagem doutras disciplinas e para a vida extra-escolar. Este tema nem sempre é visto como uma prioridade na formação dos docentes, sendo relegado para segundo plano, em favor de temas considerados mais importantes.
O estudo apresentado de seguida permitir-nos-á compreender melhor a situação que se vive em Portugal relativamente a esta problemática.

5. O estudo empírico
Neste estudo, participaram 29 supervisores de Português de escolas que incluíam o 3º Ciclo do Ensino Básico, onde funcionaram núcleos do estágio pedagógico integrado dos cursos de Licenciatura em Ensino de Português/Inglês (12 inquiridos), Português/Francês (11 inquiridos) e Português/Latim e Grego (6 inquiridos) da Universidade de Aveiro, no ano lectivo de 2002/03.
Pareceu-nos importante analisar as representações dos supervisores que connosco colaboraram, porque estas podem influenciar, em larga escala, o modo como orientam os seus professores estagiários e os sensibilizam para a problemática em estudo.
Seleccionámos apenas os supervisores da escola, pois são estes que acompanham, diariamente, os professores estagiários, partilhando o mesmo espaço de trabalho, reunindo frequentemente com eles e assistindo a um maior número de aulas.
Adoptámos a metodologia do estudo de caso, na medida em que esta permite aprofundar o conhecimento de um aspecto da realidade, e optámos por proceder à recolha de dados através de métodos de observação indirecta, como o questionário e a entrevista, dado que este tipo de observação nos permite inferir algumas conclusões acerca das representações da nossa amostra.
O questionário era constituído por 4 partes, compreendendo 22 perguntas, algumas das quais foram subdivididas em alíneas, o que perfaz um total de 42 questões.
Através da primeira secção do questionário, intitulada Dados pessoais, que compreendia oito questões, pretendia-se, como o próprio título sugere, reunir dados sobre os inquiridos, para se poder proceder à sua caracterização.
Na secção seguinte, intitulada Natureza da transversalidade da LM, apresentavam-se cinco questões (construídas a partir de uma perspectiva mais geral para uma mais particular), a fim de averiguar quais as concepções que os supervisores detinham acerca da transversalidade da LM.
A terceira parte - Formas de promoção da transversalidade nas aulas de LP -, constituída por três questões, divididas em numerosas alíneas, fornecer-nos-ia dados para apreendermos a forma como os nossos inquiridos promoviam a transversalidade nas suas aulas de LP.
Por fim, a quarta e última parte - intitulada A transversalidade da LM e o professor estagiário -, que incluía seis questões, visava recolher informações que nos permitissem compreender as estratégias a que os supervisores recorriam, na orientação do estágio pedagógico, para formar docentes conscientes desta problemática.
A análise das respostas implicou várias fases. Inicialmente, procedemos à pré- análise das respostas, fazendo uma primeira leitura destas; em seguida, passámos a uma leitura mais cuidadosa, com o objectivo de explorarmos e organizarmos os dados obtidos; posteriormente, construímos categorias de análise por diferenciação e por reagrupamento das respostas numa ou várias das categorias previamente estabelecidas; por fim, analisámos os dados em função dessas categorias e procedemos à sua interpretação e discussão, tendo em conta as duas vertentes que se cruzam no nosso estudo (didáctica e supervisiva).
Recorremos à análise quantitativa, no caso das questões fechadas e de escolha múltipla, e à análise qualitativa (através do processo de análise do conteúdo), no caso das questões abertas.
Com o intuito de completar e aprofundar os dados obtidos a partir do questionário, entrevistámos dois professores que se disponibilizaram para esse efeito.

6. Algumas conclusões do estudo
6.1. Vertente didáctica
Os dados recolhidos sobre as representações relativas à natureza da transversalidade da LM dos supervisores de LP que connosco colaboraram indicam que, para eles, é evidente que a LM é de inigualável importância na vida escolar e extra-escolar do aluno / indivíduo. No contexto escolar, é a grande responsável pelo desenvolvimento de competências essenciais à aprendizagem de outras disciplinas do currículo. No contexto social, é unanimemente reconhecido que um bom domínio da LM favorece a integração sócio-profissional do aluno / indivíduo.
Quanto à contiguidade entre a LP e as outras disciplinas do currículo dos alunos, a totalidade dos inquiridos reconheceu que o nível de proficiência em LM influencia a aprendizagem de todas as disciplinas do currículo. Por outro lado, a maioria dos respondentes considerou que todas as áreas disciplinares têm um papel activo e interveniente na aprendizagem da LM, sendo, portanto, necessário e útil, nas outras disciplinas, dar continuidade ao trabalho desenvolvido nas aulas de LP.
Relativamente à relevância atribuída aos vários domínios vistos como essenciais na formação do indivíduo, verificámos que o Ouvir/Falar, o Ler e o Escrever são aqueles que, na opinião dos nossos inquiridos, mais podem favorecer a integração sócio-profissional do aluno / indivíduo.
Apesar de todos os domínios serem trabalhados nas aulas de LM, nota-se a sobrevalorização do Escrever em relação a todos os outros, sendo o Funcionamento da Língua o menos privilegiado. Pensamos que a sobrevalorização do Escrever está intimamente ligada às dificuldades manifestadas pelos alunos e que comprometem o seu sucesso escolar. No que se refere à pouca importância atribuída ao Funcionamento da Língua na aula de LM, pensamos que esta deriva de uma certa indefinição relativamente ao lugar que este domínio deve ocupar no ensino / aprendizagem da LP.
De acordo com as opiniões manifestadas pelos supervisores, verificámos que os discentes manifestam dificuldades em todos os aspectos do uso da LM.
No entanto, as dificuldades nos domínios Ouvir / Falar, Ler e Escrever são enunciadas como as principais inibidoras de uma saudável integração sócio-profissional e os principais obstáculos ao sucesso escolar.
Na opinião de muitos respondentes, a interpretação / compreensão de ideias no domínio da escrita e a expressão escrita deficiente são os principais inibidores do sucesso académico. Uma vez mais, se destaca a valorização da comunicação escrita. Mas as componentes que estão na base de um bom domínio desta são descuradas.
Relativamente às justificações ou à indicação de estratégias de utilização para superar as lacunas detectadas, o Escrever foi sobrevalorizado, em detrimento dos outros dois domínios (sendo o Ler o menos contemplado nas respostas dos supervisores, o que se afigura como bizarro, pois este é visto como o principal meio de acesso ao conhecimento).
No que concerne às condições de emergência das representações sobre a transversalidade da LM, podemos afirmar que, para a totalidade dos inquiridos, o reconhecimento dessa transversalidade e da sua importância surge essencialmente aquando do exercício da docência. A leitura dos documentos emanados do ME, relativos às competências essenciais a desenvolver ao longo do Ensino Básico, a participação em projectos transversais, promovidos pelas escolas (através dos órgãos de gestão e do Conselho Pedagógico), e as conversas informais com os colegas são as principais fontes de informação sobre esta questão, o que demonstra que esta problemática preocupa o corpo docente, conduzindo à discussão e à reflexão participada.
No que diz respeito às formas de operacionalização da transversalidade da LM, nas aulas de LP, no 3º Ciclo do Ensino Básico, nos domínios da leitura e da escrita, concluímos que ainda persiste alguma resistência à identificação de estratégias e à planificação de actividades que permitam o desenvolvimento das competências transversais nestas aulas, dado que a maioria dos inquiridos demonstrou uma certa dificuldade em enumerar os procedimentos adoptados.
Das estratégias / actividades indicadas para desenvolver, nas aulas de LP, as competências transversais, úteis na vida escolar e extra-escolar, elegeu-se a escrita como a base de todo o processo.
De acordo com os nossos inquiridos, as competências transversais têm que ser trabalhadas em todas as disciplinas, tendo em conta a especificidade de cada área disciplinar ou departamento curricular, sendo indispensável o trabalho colaborativo dos professores das várias disciplinas.
Com efeito, em matéria de obstáculos à operacionalização da LM, de acordo com os nossos inquiridos, o principal parece ser a concentração dos docentes nos conteúdos específicos da sua disciplina, o que contraria uma educação transversal.
Na opinião dos supervisores que entrevistámos, de entre o conjunto de lacunas que afectam a actuação do corpo docente e que serão difíceis de resolver, destacam-se: a desmotivação, a falta de formação, o diálogo quase inexistente entre professores (da mesma disciplina e de disciplinas diferentes), a ausência de um órgão aglutinador das práticas e de um controlo mais rígido sobre as mesmas.
Em jeito de conclusão, cumpre-nos acrescentar que, através do estudo empírico realizado, ficámos com a nítida sensação de que ainda são muitas as dúvidas a esclarecer e as preocupações a eliminar em torno da didactização da transversalidade da LM.
6.2. Vertente supervisiva
A abordagem da transversalidade da LM na orientação de novos profissionais implica obviamente que se adoptem estratégias na formação inicial de professores de LP, para os consciencializar da importância desta problemática e os dotar das competências necessárias à operacionalização da transversalidade da LM nas suas aulas. Ao acto de orientar também subjaz uma nova actuação por parte dos supervisores, exigindo que sejam encontradas formas de operacionalização da formação no domínio da transversalidade da LM que impliquem a consciencialização desta problemática por parte dos professores em formação inicial.
O estudo feito permite-nos afirmar que este tema nem sempre é abordado nos núcleos de estágio. De facto, cerca de um quarto dos inquiridos afirmou que não o discutia com os professores estagiários, invocando a escassez de tempo para trabalhar com eles e a necessidade de consagrar o tempo disponível à discussão de assuntos que lhes pareciam de maior interesse.
Aqueles que o faziam salientavam a sua importância como a razão principal para esta actuação e consideravam ainda que o estágio era o momento indicado para se formar professores conscientes desta problemática, melhorar o desempenho dos professores em formação inicial e planificar actividades que promovam a transversalidade. Na discussão, no seio do núcleo, participavam os diferentes intervenientes.
Por outro lado, foi-nos dito pelos próprios supervisores que a maioria dos professores estagiários colocava dúvidas sobre esta temática, centradas no saber-fazer e no fazer.
Impera, de imediato, a necessidade de promover formas de operacionalização da formação neste domínio. Contudo, os supervisores tiveram dificuldade em precisar e esclarecer as dúvidas que os professores estagiários colocavam em relação à questão da transversalidade da LM.
Embora tenham sido mencionados alguns dos conselhos dados, no sentido de levarem os professores estagiários a tomar consciência de uma perspectiva de ensino transversal, ficámos com a sensação de que estes supervisores tinham opiniões definidas sobre a problemática da transversalidade, mas que talvez ainda não tivessem pensado em trabalhá-la com os seus estagiários ou então não se sentiam muito seguros sobre a melhor forma de o fazer.
O mesmo constatámos em relação às estratégias que utilizavam na sua orientação e que implicavam a consciencialização da problemática da transversalidade da LM por parte dos professores estagiários.
Os motivos que nos levam a fazer estas afirmações estão relacionados com as elevadas percentagens de ausência de resposta às questões incluídas na última parte do nosso questionário, intitulada “A transversalidade da LM e o professor estagiário”. A taxa relativa à categoria sem resposta, para estas questões, correspondeu sempre à maioria dos inquiridos.
Este é um dos factores que nos conduzem, de imediato, a afirmar que é necessário facultar mais formação sobre esta temática, se pretendermos que as representações se alterem e as práticas evoluam e se tornem mais eficazes.
Em suma, é para nós claro que um conjunto de incertezas na orientação dos professores estagiários para um ensino transversal impede a operacionalização de uma formação centrada nesta temática.

7. Algumas sugestões decorrentes do estudo
7.1. Vertente didáctica
Tal como temos vindo a afirmar ao longo deste estudo, é imperioso promover um ensino preocupado em assegurar um bom domínio da LM a todo e qualquer aluno/indivíduo.
Por isso, é dever de todos os educadores trabalhar e promover, nas suas aulas, um uso correcto da língua materna, assim como se espera que promovam estratégias / actividades conducentes a um melhor domínio da língua de escolarização. Os docentes não devem concentrar-se apenas nos conteúdos da sua disciplina, mas antes assumir responsabilidades na formação dos alunos, acabando com a ideia do “saber estanque”.
Torna-se, portanto, premente a criação de grupos de trabalho dedicados à articulação dos saberes através do currículo. Estes deveriam conceber estratégias e planificar actividades promotoras de uma efectiva melhoria da competência comunicativa dos alunos.
Cabe às escolas / ME promover oficinas de estudo, onde os alunos, em pequenos grupos, possam aprender a aprender. Aliás, as áreas curriculares não disciplinares recentemente criadas têm este propósito, mas os resultados obtidos até à data ficam aquém do desejado.
Além disso, o ME tem de intervir de forma mais activa na promoção da transversalidade. Se, por um lado, se evidencia uma preocupação notória, que se manifesta na publicação de diversos documentos normativos e teóricos que canalizem a reorganização curricular para práticas transversais, a verdade é que esta actuação é insuficiente. É preciso investir muito mais na realização de acções de formação que motivem os professores das várias disciplinas para o desenvolvimento de competências associadas ao domínio da LM, numa perspectiva de co-responsabilização.
Aos órgãos de gestão das escolas caberá a criação de espaços de diálogo e reflexão participada, envolvendo todas as áreas disciplinares, a fim de se promover o conhecimento das múltiplas vantagens da transversalidade da LM e de formas de a operacionalizar.
Ao mesmo tempo, afigura-se-nos urgente haver uma referência directa a esta problemática em documentos que regem o funcionamento da escola, tais como o Projecto Educativo da Escola, o Plano Anual de Actividades e o Projecto Curricular de Turma, a fim de se enaltecer o ensino transversal e favorecer a concretização de práticas que o promovam.
As áreas disciplinares deveriam ser vivamente aconselhadas a identificar / planificar estratégias / actividades que contribuam para um ensino transversal e um melhor domínio da LM e devidamente supervisionadas nesse seu esforço.
Aos Conselhos de Turma recomenda-se que se responsabilizem e comprometam, com empenho, no trabalho conjunto de identificação de estratégias e planificação de actividades que visem um melhor domínio da LM.
Por seu turno, os docentes deverão ter a preocupação de acompanhar a evolução do sistema educativo e de pôr em prática as orientações / princípios emanados dos órgãos centrais. Deverão também sugerir eles próprios novas práticas, mais eficazes, alinhadas por essas recomendações.
7.2. Vertente supervisiva
Basicamente, sentimo-nos obrigados a insistir na necessidade de se investir um pouco mais na formação dos supervisores, nomeadamente na área a que este estudo se refere.
Noutra linha de pensamento, cabe ao ME redefinir a selecção dos supervisores, valorizando a formação específica.
Nesta perspectiva, acreditamos que se criarão espaços de diálogo frequentes, no seio dos núcleos de estágio, sobre a temática em foco. Assim, os professores estagiários poderão colocar as suas dúvidas e, conjuntamente com o supervisor, pensar em estratégias / actividades eficazes, que possam desenvolver nos alunos competências importantes para a aprendizagem de outras disciplinas e para a vida extra-escolar.
Importa, contudo, que os supervisores não limitem o debate de ideias no seio de núcleo. Devem converter os seminários em momentos de reflexão e encorajar os seus professores estagiários a procurar formação e informação, quando se sentirem menos conhecedores de determinado assunto.
Os professores em formação devem também ser aconselhados a trabalhar em colaboração com os outros professores, valorizando os diversos saberes e partilhando as experiências e vivências de cada um.
No que se refere ao acompanhamento por parte das instituições do Ensino Superior, os professores estagiários deverão ser aconselhados a desenvolver trabalhos de seminário em áreas relacionadas com a escola, pois cremos que assim haverá um maior crescimento profissional progressivo do professor do que se trabalharem outros temas apenas relacionados com a formação científica.
Esta medida poderá ainda ser reforçada pela criação de espaços de diálogo semanais, subordinados a temas relacionados com a escola e destinados a todos os professores estagiários, no sentido de se promoverem trocas de ideias e / ou se desenvolverem projectos sobre formas de operacionalização da transversalidade.
Parece-nos ainda que a LP deverá fazer parte do tronco comum de todos os cursos vocacionados para o ensino, pois, como já referimos, esta é a língua de escolarização e o instrumento de aprendizagem básico em todas as áreas.
Somos ainda da opinião de que é necessário repensar os critérios que o ME adopta para recrutar professores para o ensino da LP, porque são muitos os docentes que leccionam esta disciplina sem formação académica para o efeito, devido às lacunas na organização dos grupos disciplinares.
Sob forma de epílogo, reforçamos a ideia de que é preciso que o sistema de ensino se integre na sociedade em mudança, reestruturando a escola e redimensionando o ensino da LM.

Bibliografia
Alarcão, Isabel (1995). “Prefácio”. In Isabel Alarcão (ed.), Supervisão de professores e inovação educacional, Aveiro: Edições CIDInE, pp. 5-8.
Alarcão, Isabel (2003). Professores reflexivos em uma escola reflexiva. Colecção “Questões da nossa época”, nº 104. São Paulo: Cortez Editora.
Frias, Maria José Matos e Sousa, Maria Elisa (1999). “A língua materna ao longo do currículo”. In Paulo Feytor Pinto (org.), Português, propostas para o futuro. Actas do 3º Encontro Nacional da Associação de Professores de Português. Lisboa: APP, pp. 47-58.
Ministério da Educação (2001) Currículo Nacional do Ensino Básico – Competências essenciais. Lisboa: Ministério da Educação/Departamento da Educação Básica.
Santos, Odete (2000). “Uma nova política da didáctica do português língua materna”. In Palavras, 18, pp. 6-17.
Sequeira, Maria de Fátima (1998). “Psicolinguística e estratégias de leitura”. In Francis Brosseron e S. Cardoso (org. e coord.), Linguística e Didáctica das Línguas. Actas do Fórum Linguística e Didáctica das Línguas. Vila Real: UTAD, pp. 121-124.
Soares, Ana Isabel Viana (2000). A supervisão como estratégia de formação reflexiva no contexto da formação inicial de professores. Dissertação de Mestrado. Braga: Universidade do Minho (Documento policopiado).
Tolchinsky, Liliana e Simó, Rosa (2001). Escribir y leer a través del curriculum. Barcelona: ICE – Horsori.

Sem comentários: